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Vida Sintética?

por | dez 29, 2012

Em maio de 2010, pesquisadores do John Craig Venter Institute anunciaram que haviam conseguido sintetizar um ser vivo pela primeira vez na história.

A notícia se espalhou pelo mundo e ganhou todas as mídias, sempre com o mesmo tom de assombro que fez a cabeça de muita gente ao redor do globo, gente essa que passou a acreditar que alguém realmente havia criado vida em um laboratório.

Mas a verdade é um pouco diferente do que foi anunciada. Criar vida sintética seria um feito realmente surpreendente, por isso eu decidi, na época, investigar o caso.

Será que eles haviam mesmo conseguido sintetizar vida?

Quando Craig Venter anunciou o feito dele e de seus colegas, alguns chegaram a afirmar que se tratava de um marco na história da humanidade, outros afirmaram que este feito abriria possibilidades importantes que trariam curas para doenças, produção de medicamentos especiais ou de melhores alimentos (sempre se fala disso…). Por outro lado, algumas autoridades políticas elevaram a voz em defesa da bioética, concluindo que a técnica poderia ser usada para produzir armas biológicas, caso caísse nas mãos de terroristas. Da mesma maneira, organismos artificiais poderiam causar desequilíbrios ecológicos irreparáveis e devastadores. Esses e outros etcs circularam pelos jornais e blogues da época.

O que mais me impressionou nesse movimento todo de ideias foi observar como a MÍDIA JORNALÍSTICA tratou um assunto tão importante de maneira escancaradamente irresponsável. A verdade foi distorcida, deformada, deturpada e, por fim, vendida.

Em primeiro lugar, o mais importante é esclarecer que os cientistas NÃO CRIARAM vida artificial… Eles nem ao menos produziram uma célula sintética.

Tudo o que Craig Venter e sua equipe fizeram foi substituir o cromossomo natural de uma bactéria por um cromossomo artificial gerado a partir de reações químicas de síntese. Apenas isso. A bactéria já estava viva, e este é o ponto mais importante da história toda, o que me levou a considerar que os termos “célula sintética” e “vida artificial”, usados e abusados pela mídia, foram totalmente incorretos.

Eu corri atrás do artigo científico original da equipe de Venter, o qual foi publicado na revista Science em 2010. Ao ler o artigo, fica bastante claro o que eles não fizeram: vida sintética.

O título do artigo já explica muito do que ele é. Em inglês, o titulo é “Creation of a Bacterial Cell Controlled by a Chemically Synthesized Genome”.

Em português, lemos: Criação de uma célula bacteriana controlada por um genoma sintetizado quimicamente.

Vamos tentar entender por partes.

Em primeiro lugar é importante saber que usaram dois tipos de bactérias, a Mycoplasma capricolum e a Mycoplasma mycoides.

Os pesquisadores sequenciaram o genoma da Mycoplasma capricolum. Ou seja, descobriam a sequência de seu 1,1 milhão de pares de bases. Sequenciar um genoma é o mesmo que ler um livro em que todas as frases são formadas por quatro letras.

Depois do sequenciamento, eles decidiram sintetizar o genoma da Mycoplasma capricolum. Por meio de reações químicas específicas e uso de máquinas de grande precisão, é possível sintetizar trechos de DNA. Essa técnica é bastante eficiente, mas sua eficiência tem um limite, que é o comprimento do trecho de DNA. Por causa dessa limitação, o genoma da bactéria foi sintetizado em pequenos pedaços, mais exatamente 1078 deles. Juntos, esses pedaços formariam o genoma da Mycoplasma capricolum, que é composto por apenas um cromossomo, como em toda bactéria.

Craig Venter sintetizou um cromossomo de Mycoplasma mycoides por meio de equipamentos especiais e bastante caros… Não há nada de absurdo nisso. Sintetizar sequências de DNA é técnica corriqueira e muito antiga. Eu mesmo já pedi a uma empresa que fizesse isso para mim. No caso da equipe de Venter, no entanto, sintetizaram não apenas um pedaço, mas o cromossomo todo.

O passo seguinte foi montar o genoma da Mycoplasma capricolum. Aí está o pulo do gato que os meios de comunicação fizeram questão de não informar. De posse daqueles 1078 fragmentos, os pesquisadores foram juntando-os em etapas. Porém, para fazer isso, eles usaram uma levedura chamada Saccharomyces cerevisiae, a mesma usada na fabricação de cerveja, e que tem grande utilidade em laboratórios de biotecnologia. Em outras palavras, o que construiu DE VERDADE o “DNA sintético” da Mycoplasma capricolum foi outro ser vivo…

Em seguida, retiraram o cromossomo de dentro da levedura e o transplantaram para dentro de uma bactéria chamada Mycoplasma mycoides. Ela aceitou o cromossomo, passou a produzir proteínas de sua prima capricolum, a se reproduzir etc.

Ora, tanto a capricolum quanto a mycoides pertencem ao mesmo gênero, ou seja, são filogeneticamente muito parecidas uma com a outra. Não foi o caso de transformar uma célula de mamífero em uma bactéria. Foi transformar uma bactéria em outra, ambas extremamente semelhantes.

O que fizeram foi como um transplante de coração entre pacientes compatíveis… Agora eu me pergunto: transplantar o coração é o mesmo que criar vida artificial?

Analisando os fatos como eles são, fica fácil perceber que aqueles pesquisadores nunca criaram vida sintética. Já é muito estranho dizer que construíram um cromossomo sintético, porque esse trabalho foi feito pela levedura. Nesse caso, por que tanto estardalhaço sobre uma coisa que, apesar de muito interessante e importante, não é tudo aquilo que disseram que era?

A resposta é simples: dinheiro. E, em nosso mundo, uma das formas mais garantidas de ganhar dinheiro é causar escândalo.

Basta lembrar que John Craig Venter é o presidente de uma das maiores empresas de biotecnologia do planeta. Quando começaram a decifrar o genoma humano, um consórcio internacional e não-privado foi criado e dirigido por Francis S. Collins, o qual considero um grande cientista. Venter não quis ficar para trás e iniciou sua própria versão do sequenciamento. Ele terminou antes de Collins, porém gerou muita polêmica quando quis patentear genes humanos… Isso mesmo, ele queria ganhar dinheiro sobre uma coisa que é de todo mundo, que está dentro de nós. No fundo, o que Venter mais quer é ficar famoso e fazer seu negócio gerar patentes e rendas absurdas.

Da parte da mídia, o barulho que fizeram com a vida artificial teve o mesmo objetivo, ou seja, vender notícia. Afinal, quanto mais polêmica e chocante, melhor. Foi por isso que eles fizeram aquilo que nem o próprio Venter teve coragem de dizer: que o homem conseguiu criar vida a partir de algo não vivo.

A verdade que nos resta ainda hoje, dois anos depois de anunciado o feito (que quase todo mundo esqueceu), é que o homem jamais conseguiu criar vida artificial.

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