Ateus existem porque religiosos não evoluem.


Richard Dawkins é um biólogo evolucionista e um etólogo (ciência que estuda o comportamento dos seres vivos do ponto de vista evolutivo). Ele é conhecido por ter escrito vários livros de divulgação científica, a maioria deles com o objetivo de atacar ideias religiosas a respeito da biologia, tais como o criacionismo e o Design Inteligente.

Deus de Richard Dawkins

Sua posição como ateísta, ou Novo Ateísta, como ele mesmo gosta de se intitular, o coloca em destaque no ringue que divide “cientistas” e “religiosos”. Segundo ele mesmo, o que o levou a esta posição radical foi a sua compreensão da teoria da Evolução de Charles Darwin – ainda que o próprio Darwin nunca tivesse excluído nem incluído Deus em sua famosa e sábia teoria.

Podemos dizer que Richard Dawkins é um produto de várias eras de desconforto e confronto entre “religião” e “ciência”. Ele é um ícone de uma batalha sem sentido que tem como palco a pergunta: Deus criou o homem ou o homem criou Deus?

Em sua condição de ateu, Dawkins se mostra muito forte e apresenta argumentos igualmente poderosos, capazes de calar qualquer religioso que não tenha uma base lógica convincente. No entanto, ele comete o mesmo engano que tantos outros cometem para sustentarem sua ideologia ateísta, que é atacar o Deus caricato criado por homens imperfeitos.

É muita fácil destruir a ideia do Deus criado pelo homem, especialmente se usarmos como alvo a divindade surgida no meio de povos antigos, de pessoas que viveram há dois, três, quatro ou cinco mil anos. Que espécie de lógica nós poderíamos esperar de nossos antepassados longínquos, muitos dos quais viviam a pastorear cabras no deserto? Que tipo de conceitos universais nós queremos ver na sabedoria de quem não conhece o átomo, não sabe do que são feitas as estrelas, não faz ideia das distâncias entre os planetas e sequer tem noção de que o sangue circula pelas veias?

A postura de Dawkins é semelhante à de uma pessoa que diz não acreditar nas Ciências, por exemplo, a astronomia, simplesmente porque alguns povos antigos acreditavam que a Terra era sustentada por uma tartaruga gigante. Ou, ainda, é parecida com a de alguém que não acredita em física porque a teoria da Relatividade às vezes conflita com a teoria quântica.

Será que não?

Vejamos uma frase contida em um de seus livros:

“Somos todos ateístas a respeito da maioria dos deuses que a humanidade sempre acreditou. Alguns de nós temos apenas um deus.”

Com esta ideia, Dawkins quer dizer que todo mundo é mais ateu do que religioso, porque há vários deuses espalhados pelo mundo e pela história. Se uma pessoa acredita em apenas um deles, então ela é mais ateia do que religiosa.

Este argumento também pode ser usado na ciência, que ele tanto defende como o ápice da evolução humana. Seria algo mais ou menos assim:

Todos os cientistas são anticientíficos a respeito da maioria das ciências que a humanidade criou. Alguns deles conhecem apenas uma ciência.

A ideia de uma força superior, de uma inteligência universal, sempre acompanhou todos os povos ao longo da história da humanidade. Assim como as ciências, a ideia da divindade também mudou e se aperfeiçoou. Assim como as ciências, nosso entendimento de Deus também precisa de novos dados e avanços para se aproximar cada vez mais da verdade.

Ou será que alguém acredita que exista alguma ciência pronta, que não vá evoluir em seus postulados nos próximos 5 mil anos?

Outra ideia defendida por Dawkins:

“Deixe as crianças aprenderem diferentes crenças, deixe-as perceberem sua incompatibilidade, e deixe-as tirarem suas próprias conclusões sobre as consequências desta incompatibilidade. Quanto a decidir se elas são válidas, deixe-as terem suas próprias ideias quando elas forem velhas o suficiente para isso.”

Sem entrar no mérito de que o que ele sugere é censura, temos que concordar que cada pessoa deve pensar por si mesma, e nisso ele está certo. Agora, voltando ao exemplo da ciência, o mesmo pode ser dito. Há teorias conflitantes sobre muitas coisas, sobre a criação do universo, sua suposta expansão, a formação das estrelas, se os dinossauros tinham ou não o corpo todo recoberto por penas. Enfim, há muita incompatibilidade no mundo da ciência, e nem por isso vemos figuras como Richard Dawkins afirmando que elas devem abandonar a ciência por causa disto.

E, como eu afirmei, o ateísmo de Dawkins triunfa porque ele ataca o Deus caricato criado por pessoas que não conheceram a eletricidade, mais do que isso, não viram o motor movido a vapor. Assim fica fácil.

Vejamos o exemplo seguinte, em que ele ataca um Deus, o dos hebreus:

“O Deus do Antigo Testamento é sem dúvida o personagem mais desagradável da ficção: ciumento e orgulhoso; mesquinho, injusto, maníaco controlador implacável; um produto de limpeza étnica sanguinário, vingativo; um misógino, homofóbico, racista, infanticida, genocida, filicida, pestilento, megalomaníaco, sado-masoquista, valentão e caprichosamente malévolo.”

O que ele chama de ficção é um conjunto de livros que serviram de caminho espiritual para uma boa parcela da humanidade durante milênios. E, ainda que aqueles ideais do Antigo Testamento tenham servido a diversos propósitos, incluindo manter a coesão da civilização judaica, é fácil perceber que ele não está atacando Deus. Deus é muito maior do que nossa inteligência pode abranger. Deus não existe para ser Deus de um povo, de uma nação, de uma religião, de uma raça, de um país, de um mundo, de um sistema solar, de uma galáxia… Deus só pode ser concebido como o Deus criador do Universo, das leis da física, da química, da matemática e da biologia. Menos do que isso não pode ser.

Infelizmente, nosso entendimento de Deus é do tamanho do nosso entendimento do todo. E qual era o todo das pessoas que escreveram o Antigo Testamento? Que visão de Universo poderia ter alguém que sobreviveu em condições áridas e que precisava todos os dias lutar para retirar da areia o seu sustento?

Além disso, faltou a Dawkins o entendimento de que os hebreus adoravam parábolas. Eles criaram histórias ficcionais repletas de figuras alegóricas para tentar entender – dentro das suas limitações – o que era a divindade e qual a sua relação conosco. Algumas dessas figuras de linguagem foram compreendidas apenas por quem as escreveu. Sem isto, parte-se do pressuposto que a Bíblia é um livro de verdades universais e imutáveis, o que a torna alvo fácil de críticas. Mas também temos de lembrar que ela foi escrita por homens imperfeitos, muitos dos quais colocaram ali seus próprios preconceitos e interesses religiosos/políticos.

Será que o Deus criador do Universo e das Leis de todas as ciências pode ser atacado por causa de algumas dezenas de pessoas vestidas em peles de cabra, que vagaram debaixo do sol escaldante em um pequeno planeta situado na periferia de uma galáxia entre bilhões delas?

É como se alguém tentasse atacar a lei da gravidade porque nasceu no espaço, dentro de uma pequena base espacial, e nunca desceu a um planeta para constatar o próprio peso.

Dawkins também falha ao negligenciar a importância que as religiões tiveram no passado da humanidade. Ele diz:

“Você realmente quer me dizer que a única razão pela qual você tenta ser bom é ganhar a aprovação e a recompensa de Deus, ou para evitar a sua reprovação e punição?”

Talvez ele não compreenda que, para os povos primitivos, ganhar aprovação e ser punido era a única forma de impedir que a sociedade caísse na mais completa barbárie. Hoje nós entendemos as razões que nos levam a optar por “sermos bons”. Como um conceito tão subjetivo poderia estar contido em mentes que viviam somente do aqui e do agora?

Sim, a moral, a ética e a empatia evoluíram nas religiões, em especial a judaica. Mas Richard Dawkins não percebeu isso. Vejamos o que ele diz:

“Será que essas pessoas que têm a Bíblia como inspiração para retidão moral têm a menor noção do que realmente está escrito nela?”

Para embasar seus argumentos, ele usa as histórias de mortes, infanticídio e etc. No entanto, se ele pudesse pensar com a mente um pouco aberta, ele veria que a evolução moral chegou ao seu ápice no Novo Testamento. Jesus veio ensinar leis morais cuja profundidade e verdades continuam inabaláveis até hoje. Ele aperfeiçoou o que havia no Antigo Testamento e inovou em vários aspectos. O povo que viveu em seu tempo, ao menos uma parcela dele, já estava preparado para captar a mensagem subjetiva do “amor ao próximo”, coisa que talvez não acontecesse com os antepassados deles. Foi assim que a mensagem de Jesus sobreviveu ao longo dos séculos, ainda que ele mesmo tenha morrido por trazer aquela mensagem.

Mas o próprio Dawkins poderia ter chegado a essa conclusão, afinal ele escreveu:

“Jesus não se contentou em derivar sua ética das escrituras de sua educação. Ele explicitamente se afastou delas. […] Uma vez que a tese principal deste capítulo é que nós não temos, e não devemos, derivam nossos princípios morais das Escrituras, Jesus tem de ser honrado como um modelo para nossa tese.”

Pena que Dawkins esqueceu a noção de evolução – que ele defende 24 horas por dia – para compreender a diferença entre o Antigo e o Novo Testamento. O próprio Jesus disse que não veio destruir a Lei, mas fazê-la cumprir-se. Logo, ele não se afastou delas. Ao contrário, ele viveu e ensinou os preceitos judaicos, porém incluiu ali uma nova lei, a do amor. Esta é a evolução religiosa que o ateu não conseguiu enxergar, e preferiu ver em Jesus apenas um subversivo que se afastou das próprias crenças.

Assim, o comportamento de Dawkins é como o de alguém que tenta atacar a astrofísica porque Einstein se afastou da mecânica clássica.

Ele também é conhecido por ser o mais ativo porta-voz da luta do evolucionismo contra o criacionismo. O criacionismo é a ideia de que todas as coisas, incluindo os seres vivos, foram criados por Deus exatamente como os vemos hoje. Em outras palavras, seu gatinho de estimação é descendente do primeiro gato, que surgiu da cartola do mágico Deus com um passe de mágica.

Nas palavras de Dawkins:

“Se todas as provas no universo viessem em favor do criacionismo, eu seria o primeiro a admiti-lo, e eu imediatamente mudaria minha mente. Como as coisas estão, no entanto, todas as evidências disponíveis (e há uma grande quantidade dela) favorecem a evolução.”

Ele está certo. Simplesmente não há evidências boas o suficiente para sustentar a ideia criacionista. Ao menos não da maneira como ela tem sido apresentada, baseada em textos escritos por nômades criadores de cabras.

A teoria da evolução de Darwin foi um passo gigantesco na compreensão de nós mesmos. Mais do que uma teoria, ela pode perfeitamente ser chamada de Lei. Existem montanhas de evidências e provas a favor dela.

Porém, quem disse que é preciso negar Deus para acreditar na teoria da evolução?

A resposta é: quem disse isso foram aquelas pessoas que pretendem manter a crença no Deus folclórico, o Deus criado pelo homem à sua imagem e imperfeição.

Se, como eu acredito, Deus é o Deus do Universo, autor e criador das Leis que regem tudo, então a evolução das espécies também foi criada por Ele e faz parte do mecanismo da existência. Muitas religiões aceitam a evolução como um processo natural, sem que precisem diminuir Deus por causa disso. Todavia, quando os povos antigos escreveram como surgiram os animais, tudo o que eles tinham à sua disposição eram alegorias e conhecimentos limitados, além, é claro de inspirações imperfeitas. Seria algo maravilhoso, realmente sobrenatural, se eles concebessem a teoria da evolução sem os conhecimentos prévios de biologia, antropologia, geologia, genética e morfologia que Charles Darwin teve.

Então, por que pessoas como Richard Dawkins se empenham tanto em atacar as religiões e Deus?

Porque uma parcela considerável dos religiosos ainda quer viver e pensar com as mesmas ideias dos nômades do deserto de quatro mil anos atrás. Portanto, se existem pessoas que negam a existência do Deus do Universo, a culpa é daqueles que teimam em apresentar o “deus caricato e folclórico” criado por algumas pessoas perdidas num planetinha que orbita uma estrelinha.

Richard Dawkins é produto das religiões que não evoluem. Sua existência só é possível graças a pessoas que, assim como ele, têm dificuldade de enxergar a verdade.

Mas a briga idiota de criacionistas versus evolucionista vai acabar um dia. Será no momento em que a humanidade parar de olhar para o próprio umbigo e deixar de se considerar o centro do Universo.


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