Richard Bach é, provavelmente, um dos escritores mais talentosos de todos os tempos. Seu estilo simples pode enganar à primeira vista, porque, por trás de palavras elegantemente unidas, escondem-se verdades e pensamentos filosóficos dos mais profundos.

Seu livro mais famoso é Fernão Capelo Gaivota, que conta a estória de uma gaivota que não queria ser como as outras, mas acreditava que podia ser mais, ir além do que o simples “chão” da superfície do mar e sua rotina de pescar peixes. É uma leitura que eu recomendo e um dos 10 livros que eu levaria para Júpiter.

Um de seus livros é uma mistura de biografia com aventura psicológica de auto-encontro. Chama-se Fugindo do Ninho. Nele, Bach está tendo uma conversa muito acalorada com a criança que ele foi um dia, e fala a ela a respeito de suas ideias de Deus.

É natural de Richard Bach tenha uma ideia limitada a respeito de Deus, sobretudo tendo em vista que ele vive em uma cultura em que existem pouco menos do que 3 religiões que dominam a maior parte da população que acredita em algo mais. O ateísmo é grande, ao passo em que os religiosos são em sua maioria do tipo que cumpre compromissos perante suas crenças. Em uma nação realmente multicultural, a quantidade e intensidade de crenças faz um indivíduo um pouco mais culto ter ideias diferentes e amplas a respeito do que possa ser Deus.

Voltando a Bach, em seu livro, ele tenta convencer seu eu criança de que ou Deus é cruel ou é impotente. Seu raciocínio se baseia na seguinte premissa: se Deus é Todo-poderoso e se Ele nos ama, o que dizer das pessoas boas que Ele ama e que morrem de maneiras cruéis, sofrendo terrivelmente?

O pensamento é simples, mas precisa ser bem explicado. Se Ele nos ama, logicamente não quer nosso sofrimento, porém sofremos. Se Ele é Todo-poderoso, pode nos livrar dos sofrimentos, porém sofremos.

Partindo daí, Bach conclui que se Deus nos ama, Ele é impotente, porque não faz nada. E se Ele é Todo-poderoso, então é cruel, porque não faz nada.

Em outras palavras, o Deus pintado por Richard Bach (e que faz muito sentido), não pode existir. Logo, a ideia da divindade no livro caminha para algo mais transcendental que não vou explicar aqui.

O raciocínio do criador do Fernão Capelo Gaivota é assustadoramente coerente. Mas coerente com o que ensinaram a ele a respeito de Deus, ou seja, quase nada.

Está claro que faltaram a ele elementos encontrados em uma cultura multifacetada, onde as ideias religiosas vão muito além de dogmas fantásticos que nada explicam. Isso fica patente na seguinte passagem do livro em que ele comenta com seu eu-criança:

“— Então esse Deus deve ver com tristeza os inocentes sendo oprimidos e mortos pela maldade, vezes sem fim; assassinados aos milhões enquanto imploram em vão aos céus por socorro, através dos séculos.”

Se Bach tivesse tido a chance de estudar outras vertentes, outros pensamentos mais modernos e menos ligados a ideias de um Deus feito à imagem e semelhança do homem, então a conversa no livro seria outra.

O primeiro erro que ensinaram a Richard Bach, e que o levou àquela concepção folclórica de Deus, é que Deus existe para livrar as pessoas do sofrimento.

O segundo erro é a crença de que existem inocentes e pecadores. Os bonzinhos e os malvados.

Se Deus existe, Ele é Deus do Universo. Não de um povo, não de uma religião, não de uma nação, não de um planeta, não de um sistema solar, mas do Universo. E o Universo é maior do que nós somos capazes de imaginar. E olha que nossa imaginação é ilimitada…

Sendo Deus o poder absoluto do Universo, então todas as leis da física, da química, da biologia e da matemática são criações dEle. Derrogá-las seria contradizer-se. Mudá-las seria admitir que Ele errou. Mas elas não mudam e não podem ser suprimidas. O Universo é do jeito que é, e nós não podemos mudar absolutamente nada quando somamos 2 mais 2, porque o resultado sempre será 4. Este é o Universo de Deus, um Universo de Causa e Efeito.

Quando alguém pula, cai ou é empurrado do alto de um precipício, o resultado será sempre o mesmo. A gravidade é implacável porque é uma lei da natureza. Não pode ser alterada por mero capricho de salvar alguém da queda. Se Deus não quisesse que as pessoas caíssem, não haveria a força da gravidade.

Neste caso, onde está o amor de Deus? Voltamos a Richard Bach? Deus é cruel a ponto de não se importar e permitir que as pessoas sofram quedas horríveis?… Não, porque o amor está justamente na liberdade de ação que temos. Podemos fazer qualquer coisa dentro dos limites impostos pelas leis da natureza, com a condição de que vamos sofrer as consequências de todos os nossos atos. Logo, pular da montanha, escorregar na beira do abismo ou empurrar alguém para dentro dele são ações que têm reações.

Que amor teria Deus se toda vez que alguém se jogasse do alto de um prédio, lá estivesse Ele para inverter a gravidade e fazer a pessoa cair em pé, sã e salva, na calçada? Qual seria o senso de responsabilidade que nós aprenderíamos? Provavelmente o mesmo que algumas crianças aprendem quanto têm pais que fazem tudo por elas, resolvem todos os seus problemas e tomam para si a culpa das coisas que elas fazem… Protecionismo não é amor, porque o amor acima de tudo é educativo. E tem gente que só aprende errando, contrariando as leis que dizem que não devemos enfiar o dedo em uma tomada.

Assim, a ideia de um Deus que existe para nos salvar, para nos proteger do mal, é deficiente. Um Deus assim não pode existir, como Richard Bach muito bem colocou em seu livro.

Um raciocínio semelhante pode nos levar à resolução da segunda concepção errônea a respeito de Deus. Essa concepção está enraizada em religiões simplistas que costumam separar a humanidade em inocentes e pecadores. Se há inocentes, e se eles sofrem, qual a vantagem na inocência?

“Inocentes oprimidos e mortos pela maldade, vezes sem fim”, diz o autor em sua aventura psicológica. De onde viria esta imagem, este conceito de inocência versus maldade? O bem contra o mal; os certos e os errados. Por fim, os que se salvam, e os que não se salvam…

Dando alguns passos acima na compreensão da divindade, a ideia de bem e mal, salvação e perdição, deve ser substituída definitivamente pelo conceito da Evolução. Se Richard Bach tivesse colocado esta variável em sua equação-em-busca-de-Deus, teria se surpreendido com o resultado.

Tudo no Universo evolui. Evolução é uma lei da natureza que afeta corpos, seres, mentes, planetas, almas, espíritos, átomos em decaimento… Em outras palavras, tudo está em constante mudança em busca da harmonia. Não existe separação entre inocentes e pecadores porque estamos inseridos no contexto de Evolução. Alguns já entendem que é necessário respeitar a vida alheia, outros ainda não. Cada um desses vai receber os efeitos de seus atos, em uma existência ou em outra.

Aliás, a concepção de que vivemos apenas uma vida, para depois da morte irmos para um céu ou um inferno é mais um erro teológico dos mais medievais. Talvez seja daí que nasça a ideia raquítica de que há inocentes e pecadores. Se a vida fosse apenas uma, daí sim poderíamos concluir com toda segurança que Deus é cruel ou indiferente.

O fato é que vivemos em um Universo de Causa e Efeito. Sofremos aquilo que fazemos sofrer, recebemos aquilo que damos. Será que alguma parcela de nossos sofrimentos é gratuita? Será que fizemos todo o possível para evitá-los? Será que no passado não fizemos com alguém o mesmo que fazem de errado conosco agora? Não? Nem mesmo em outras existências?… A lei de Causa e Efeito, como a gravidade, é implacável.

Se pensarmos que o “inocente” que sofre é herdeiro de suas próprias escolhas, cai por terra o próprio sentido da palavra. E, neste caso, Deus não está sendo impotente ou cruel, mas apenas justo, porque nos faz ver e sentir na própria carne como dói cutucar alguém com um espinho. Isto é justiça universal. E justiça não é protecionismo e nem vingança, justiça é amor verdadeiro.

Esses são alguns elementos que faltaram a Richard Bach em sua análise de Deus. Mas, pensando bem, ele bem que poderia ter chegado a essas conclusões, se quisesse, porque seu livro Fernão Capelo Gaivota, anterior ao Fugindo do Ninho, é repleto de temas como evolução, causa e efeito.

Talvez ele não tenha conseguido unir os pontos das coisas.


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