Carl Sagan era ateu ou religioso?
Carl Sagan foi um grande professor de astronomia, tanto que era o apresentador do programa de televisão Cosmos, que ensinava muitas coisas interessantes a respeito do Universo no final de 1980.
Além de astrofísico, Sagan escreveu alguns livros, sendo os mais famosos: Pálido Ponto Azul, O Mundo Assombrado por Demônios e Contato.
Contato é um romance de ficção-científica que narra a estória da humanidade frente à recepção de uma mensagem extraterrestre. A mensagem trazia instruções para a construção de uma máquina que levaria uma tripulação até algum lugar desconhecido, provavelmente o ponto de origem da mensagem. O livro foi posteriormente transformado em um filme que não consegue passar um centésimo da mensagem escrita pelo autor.
É justamente no livro Contato que podemos ter uma ideia sintética das crenças do professor Sagan. Obviamente, o tema proposto por ele mexe com muitos interesses humanos, desde os científicos, passando pelos filosóficos, até os religiosos.
Carl Sagan não era um homem religioso, mas também não era ateu, como mostra sua frase:
“Um ateu é alguém que está certo de que Deus não existe, alguém que tem evidências convincentes contra a existência de Deus. Desconheço tal evidência convincente. Porque Deus pode ser relegado para lugares e tempos remotos, e a causa final, teríamos de saber muito mais sobre o universo do que nós agora sabemos para ter certeza que Deus não existe. Para ter certeza da questão da existência de Deus, e ser determinada a não existência de Deus, os ateus me parecem estar confiantes ao extremo em um assunto tão cheio de dúvida e incerteza quanto a inspirar pouca confiança na verdade.”
Por outro lado, ele tampouco pode ser considerado um religioso nos termos da média, o que fica claro por esta outra afirmação:
“A idéia de que Deus é um homem branco de grandes dimensões e de longa barba branca, sentado em um trono em algum lugar no céu, ocupado e sempre tendo consideração pela morte de cada pardal é ridícula. Mas se Deus na verdade é um conjunto de leis físicas que governam o universo, então é claro que Deus existe. Este Deus é emocionalmente insatisfatório… não tem muito sentido rezar para a lei da gravidade.”
Essas ideias permeiam o livro Contato. Elas representam muito do que se pensava a respeito de Deus no final do século XX e agora, no início do XXI. E, por mais que pareça absurdo, a imagem de um homem branco, barba estilo Charles Darwin, sentado em um trono e combatendo as leis da natureza para salvar aqueles que prestam reverências a Ele, é ainda a que representa Deus para a maioria dos religiosos ocidentais.
Fica fácil perceber o motivo de os homens de ciência, entre eles Carl Sagan, não poderem levar a sério a ideia da existência da divindade. Um Deus parecido com uma amálgama entre o imperador de Roma e o Papai Noel jamais poderá ser encontrado, muito menos pela Ciência.
Mas é justamente esse Deus que a Ciência “procura”. Quando não o encontra, porque (repetindo) não pode ser encontrado, prefere dizer que Ele não existe. Daí surgem as opiniões como a de Carl Sagan, que prefere acreditar no conjunto de leis da física. E isso faz sentido, porque elas são exatas, não mudam, podem ser provadas e comprovadas e, o que é mais confortador, parecem de fato reger o Universo.
No livro Contato, há uma passagem interessante entre dois personagens. Um deles é a cientista Ellie Arroway, o outro é Palmer Joss, um religioso que afirmava ter visto Deus. Ambos se encontraram no museu Smithsonian, onde há um pêndulo enorme para demonstrar certas leis que regem o movimento pendular. Ali, eles propõem um tipo de teste envolvendo o pêndulo. Cada um deles deveria segurar a esfera metálica próxima ao rosto, ficar imóvel e soltá-la. Ela descreveria um arco e voltaria até passar a centímetros do rosto da pessoa que a soltou. Se a pessoa ficasse imóvel, o pêndulo jamais a acertaria.
Ellie foi a primeira a testar. Ela puxou o pêndulo e o soltou. Quando ele retornou, ela quase deu um passo para trás com medo de que ele atingisse seu rosto. Ela sentiu medo e se afastou. Um ato instintivo.
Palmer Joss disse que ela não acreditava na própria ciência, ao que ela refutou lembrando que o medo é um aprendizado de milhões de anos, enquanto a razão é muito recente.
Depois foi a vez de Joss tentar a experiência. O autor do livro dá a entender que ele pediria a Deus para salvá-lo do pêndulo caso se aproximasse mais da linha de trajetória da esfera. Se Deus existisse, e já que o personagem o havia visto, poderia pedir a Ele para reduzir o caminho do pêndulo a fim de salvar seu nariz.
Mas o vigia do museu apareceu e acabou com a experiência da dupla, o que eu achei uma coisa fascinante no livro.
Por esta passagem do livro Contato fica claro onde se situa a “batalha” entre ciência e religião nos dias de hoje. A ciência fica protegida pela muralha das evidências e experiências, enquanto a religião fica entrincheirada no Deus capaz de modificar as malvadas leis da física para salvar seus filhos.
A alternativa oferecida por Carl Sagan quando ele diz que Deus é o conjunto de leis da física é interessante, mas incompleta. Seria o mesmo que dizer que o conjunto de leis que regem uma nação são as próprias pessoas que fizeram essas leis. Uma lei não é o legislador. Logo, partindo deste princípio, seria mais conveniente e verdadeiro dizer que Deus é o criador das leis, e não apenas da física, mas da matemática, da química e da biologia.
Pensando assim fica fácil entender porque rezar não anula a lei da gravidade. É o mesmo motivo pelo qual rezar para o presidente da república não derroga uma lei da Constituição Federal, ou seja, uma lei existe para ser seguida igualmente por todos. Se ela servir apenas para alguns e não para todos, então não é justa, e um Deus injusto é inconcebível.
Por esta razão é que o pêndulo não iria parar antes de amassar o nariz de Palmer Joss, independentemente da existência de Deus. É uma lei da física. E Deus deve ser encontrado na imutabilidade da mecânica do Universo, nunca na derrogação de suas leis.
Mas, apesar de este tipo de discussão permear o livro Contato ao longo do enredo, Carl Sagan nos traz uma surpresa fascinante ao final da obra. Ao apresentar o número Pi, que começa com 3,14 (e vai até o infinito), o autor mostra onde poderíamos encontrar a verdadeira natureza de Deus. É claro que não vou contar o final do livro, mas fica a dica de uma ótima leitura que guarda um desfecho dos mais bem elaborados, que um dia, de uma forma ou de outra, pode sair da ficção e vir nos visitar na forma de um verdadeiro e profundo contato.