Ou: a responsabilidade de escrever sobre Ciência.
Há muitos anos eu li numa dessas revistas superinteressantes de divulgação de assuntos científicos uma matéria que lançava a seguinte questão: o que aconteceria se o mundo parasse de girar?
A matéria pretendia ter algum fundamento científico, o que levou seu autor a concluir que uma face da Terra receberia a luz solar o tempo todo, enquanto a outra ficaria permanentemente na sombra. Para ele, as pessoas que vivessem na face ensolarada teriam muitos problemas com o calor intenso que se acumularia. Haveria escassez de água, maior índice de câncer de pele etc. Já as pessoas que vivessem no lado escuro do planeta enfrentariam um frio polar. As plantas desapareceriam por causa da falta de luz e a água potável estaria constantemente congelada. Em resumo, o desequilíbrio ecológico seria catastrófico.
Apesar de essa informação parecer correta em primeira análise, ela pode muito bem figurar na categoria de “ideias que parecem científicas, mas que não passam de burrice”. Vamos aos porquês.
O planeta Terra gira a uma velocidade de aproximadamente 1675 km/h. Pela lei da inércia, tudo o que está sobre e abaixo da superfície também está se movendo. Com isso em mente, podemos começar a entender que a ideia simplória de um lado infernalmente quente e outro glacialmente frio tem menos sustentação que um edifício construído sobre um pântano arenoso.
Para começar o festival de fenômenos catastróficos, podemos dizer que uma parada repentina da Terra faria com que todos nós fôssemos lançados na direção leste a uma velocidade maior que a do som, que é em torno de 1200 km/h no ar.
Como se isso não fosse suficiente, nossos prédios, casas, carros e trens também seriam lançados – pela força da inércia – como se fossem brinquedos nas mãos de uma criança querendo chamar a atenção dos tios. Eles seriam arrastados por quilômetros antes de parar. Detalhe: nós estaríamos no meio desse carnaval.
A própria atmosfera continuaria girando enquanto o planeta se mantivesse imóvel. Teríamos ventanias tão fortes que nenhuma árvore permaneceria plantada.
Apesar disso tudo, eu ainda estou sendo simplista. Temos que lembrar que as placas tectônicas acompanham o movimento da Terra. Uma parada brusca faria com que elas se deslocassem sobre o manto de rocha pastosa na qual elas “boiam”. O choque entre elas causaria terremotos tão intensos que fariam nossas escalas numéricas de força sísmica parecerem as notas de matemática de nossas crianças perto das cifras que medem as distâncias entre as estrelas. Montanhas seriam desmanteladas, continentes seriam despedaçados, vulcões surgiriam e desapareceriam um atrás do outro. E novas placas tectônicas apareceriam, porque as de hoje seriam quebradas em pedaços.
E tem mais! Os oceanos se deslocariam com a inércia e se moveriam na direção leste, varrendo tudo pelo caminho. Ondas de milhares de metros subiriam pelas costas oeste de todos os continentes, passariam por cima dos países e mergulhariam de volta pelo outro lado. Nada impediria os tsunamis devastadores que transformariam o deserto do Saara numa corredeira de água salgada.
Em resumo, a resposta mais correta para a pergunta “o que aconteceria se a Terra parasse de girar?” é: o mundo seria virado do avesso quinze vezes, e apenas com muita sorte as forças internas não o despedaçariam por completo, transformando-o em um cinturão de rochas girando ao redor do Sol.
Apesar disso, podemos ficar tranquilos, afinal é a própria inércia que impediria que uma barbaridade dessas, como uma freada brusca, acontecesse.