O escrito é sempre a peça mais importante de todo o processo de produção de um livro.
A produção de um livro físico é um processo demorado e muito caro, no qual vários profissionais estão envolvidos. Cada um deles contribui para que o resultado final seja aquele que gostamos de ver. Uma bela capa, um acabamento excelente, a diagramação perfeita e a apresentação bonita.
De maneira geral, para que um livro chegue às mãos de um leitor, ele nasceu com o trabalho árduo do escritor, passou pelo editor, pelo revisor e pelo tradutor (se for livro importado, de autor estrangeiro). Depois o texto vai para o diagramador. Se houver ilustrações internas, é o desenhista quem trabalha. A capa também envolve o capista. Algumas vezes, um fotógrafo pode estar envolvido com ela. Quando o boneco final é aprovado, temos o trabalho da gráfica, da transportadora e do livreiro.
Cada um desses profissionais faz o melhor possível para que o livro seja um objeto de desejo do leitor, que é o consumidor final. Todos são importantes. Mas será que algum é mais importante do que os outros?
Para responder à pergunta, precisamos primeiro definir um livro, o que não é fácil. Será que se eu escrever uma palavra num papel, colocar uma capa e várias páginas em branco, terei feito um livro? Certamente não. Um livro é um conjunto de palavras que transmitem uma ideia com começo, meio e fim. Então, uma palavra não faz um livro.
Se eu escrever uma página de texto com uma ideia que tenha começo, meio e fim, terei feito um livro? Não, o que eu fiz foi escrever, no máximo, um conto. Um livro tem que ser mais do que apenas uma página, caso contrário todo mundo já escreveu um livro na vida.
Afinal, o que é um livro?
Já que as elucubrações sobre o tema poderiam ir longe, a UNESCO resolveu bater o martelo e definir assim o livro: “publicação não periódica impressa de no mínimo 49 páginas, além da capa, publicada no país e disponibilizada ao público”. Algo com menos de 49 páginas deve ser considerado folheto. Uma revista com mais páginas é um periódico, logo não se encaixa na definição.
Essa definição é bem antiga e não previu o advento dos eBooks. Mesmo assim, serve de parâmetro para o nosso raciocínio.
Agora vamos passear pela cadeia de produção de um livro e descobrir quem é a peça mais importante do todo. Mas vamos fazer isso de trás para frente, começando pelo livreiro até chegar ao escritor. Se o livreiro deixar de existir, o livro desaparece?
Não, o livro continua a existir, afinal, de acordo com a UNESCO e com o bom-senso, aquele volume de mais de 49 páginas continua lá. Logo, o livreiro não é o elo mais importante da cadeia literária.
Depois temos o transportador, aquele que levou o livro da gráfica ou do depósito da editora para a livraria. Se ele deixar de existir, o livro some?
Não, o livro continua a existir. O transportador não é o elo mais importante.
Recuando mais uma etapa, temos o profissional da gráfica. Se ele deixar de existir, o livro ainda existe?
Sim, com toda a certeza! O livro foi escrito e ainda existe, nem que seja na forma eletrônica, afinal estamos na era dos livros digitais e (hello!) eles não precisam de gráficas.
E quanto ao diagramador? Diagramar é importante para dar um corpo equilibrado e fácil de ler ao livro. Se o diagramador desaparecer, o livro também desaparece?
Não, um livro não precisa ser diagramado para existir. Ele existe sem a dependência da diagramação, especialmente se for um eBook. Logo, nosso nobre e dedicado colega diagramador não é o elo mais importante da cadeia.
Mas e o capista? Pode existir um livro sem a capa?
Sim, pode. A capa pode ser simplesmente o título da obra, o nome do autor e a data da publicação. As belas imagens e desenhos dos capistas ajudam a vender mais o livro, mas não são fundamentais para a sua existência. O livro continua a existir e, portanto, o capista não é o elo mais importante. O mesmo pode ser dito dos ilustradores.
E o revisor? Passar o livro por um revisor é fundamental para que o texto não propague erros. Porém, se o revisor deixar de existir, o livro também deixa?
Não. O livro continua a existir, com ou sem erros ele continua sendo um livro, um registro cultural e histórico que pode perdurar por séculos ou milênios.
Agora chegou a vez do editor. Pode existir um livro sem um editor?
Sim, com toda a certeza! Não apenas pela definição da UNESCO, que garante que se eu tiver um volume com mais de 50 páginas, mesmo que impresso em minha casa, então eu terei um livro. Mas também porque quem se autopublica não precisa de editor, seja no formato físico quanto digital. Muitas gráficas produzem livros sem necessidade de editor. Portanto, o editor – apesar da opinião contrária dele mesmo – não foi, não é e nunca será o elo mais importante da cadeia literária.
Quem sobrou?
Sobrou aquele que é, muitas vezes, o profissional mais menosprezado e esquecido de todo o processo de produção de um livro. Sobrou aquele que é o verdadeiro dono da ideia, que estudou, que escreveu, que passou meses ou anos trabalhando em seu sonho. Sobrou aquele que é o verdadeiro responsável para a existência do livro: o escritor.
Se o escritor deixar de existir, o livro desaparece?
Sim. Sem o escritor não há o editor, não há o revisor e nem o diagramador. Sem o escritor o capista não faz capas, a gráfica não imprime livros e a distribuidora não tem o que transportar. Sem o escritor não existe o livreiro e nem as livrarias. Portanto, o escritor é o elo mais importante de toda a cadeia literária.
Esta é a razão pela qual os escritores e leitores devem repudiar com todas as forças qualquer manifestação de menosprezo ao escritor vindas de outros elos da própria cadeia de produção de livros. Essas manifestações às vezes são abertas e descaradas, outras vezes são sutis.
Eu já curti a página de uma editora brasileira de fantasia no Facebook e, um tempo depois, vi que ela postou uma mensagem de desprezo aos escritores, dizendo que eles precisavam curvar a cabeça e aceitar calados todas as preciosas dicas dos editores. Poucos dias depois, li da mesma editora uma mensagem parecida, dessa vez expondo um autor que havia enviado um manuscrito para análise. “Descurti” a página na hora. Quem não respeita o escritor não merece nossa atenção. Um ano depois a tal editora fechou. Bem feito!
Também já vi propaganda no metrô de São Paulo mostrando o título de um livro, uma bela imagem, o nome da editora, uma frase de efeito e… nada do nome do autor! Se isso não for menosprezo, nada mais é.
Todos os profissionais envolvidos na produção de um livro merecem respeito, mas o escritor, que é o mais importante de todos, tem sido o menos respeitado. Esta situação totalmente distorcida vai mudar quando os escritores tomarem conhecimento do próprio poder.