A fantástica habilidade de não ensinar Física às crianças.


Fazer analogias é um recurso muito útil, especialmente quando se quer explicar algum fenômeno físico complicado para leigos. Assim, a analogia serve para aclarar o que é difícil com um exemplo fácil de entender.

Analogia - Rogerio Pietro

No entanto, ser fácil de entender não pode nunca ser confundido com minimalização do fenômeno, correndo o risco de tentar explicar o funcionamento de uma tomada usando o nariz do porco como analogia.

Vejo isso acontecer com muita frequência na Astrofísica (aquela ciência que parece um monte de invencionices teóricas baseadas mais em pressupostos do que em fatos, e é), mais do que com qualquer outra área do conhecimento. Por exemplo, um recente programa de televisão criado e narrado por astrofísicos (aqueles) fez uma analogia para explicar o movimento do nosso sistema solar. Eles usaram um carrossel. Não aquele com cavalinhos, mas aquele que tem cadeiras presas por cabos longos, que se afastam na medida em que o brinquedo gira.

A tentativa de fazer uma analogia entre o movimento dos planetas e as cadeiras girando é boa, em princípio. Afinal, o movimento centrífugo dá uma ideia da força que age nos astros, movimentando-os, enquanto os cabos representam a atração gravitacional do Sol, atraindo-os. Quanto mais rápido giram as cadeiras, mais afastadas elas ficam do centro, e se aquela força diminui, elas se aproximam. Tudo igualzinho ao que acontece no sistema solar, certo?

Errado.

Foi uma péssima analogia. Ela não serve nem mesmo para dar uma breve ideia do movimento que os planetas fazem ao redor do Sol, porque não é circular. Os planetas descrevem órbitas elípticas ao redor do astro-rei. Eles se afastam e se aproximam como se quisessem fugir, mas não conseguissem. Dá-se o nome de afélio ao ponto mais afastado que um planeta do nosso sistema solar atinge do Sol, e periélio ao ponto de maior aproximação. Isso não acontece no carrossel, e não aconteceria nem mesmo se os cabos fossem feitos de elástico, porque a força centrífuga agiria com a mesma intensidade em todos os pontos do giro.

E, por falar no cabo do carrossel, é um erro grosseiro de física dizer que ele pode representar a força da gravidade. O motivo é simples: no sistema do carrossel, a força gravitacional já existe! Ela está sendo exercida como sempre foi, de cima para baixo, atraindo os bancos, os cabos e a base do próprio brinquedo para o centro da Terra. Em outras palavras, a gravidade não é o cabo prendendo os bancos, é a força que permite que os bancos não saiam girando loucamente até os cabos se enrolarem no centro.

Será que não? Então, vamos imaginar como seria um carrossel no espaço, longe da Terra e da sua influência gravitacional. Imagine esse carrossel com seus bancos flutuando em direções aleatórias. Vamos supor que os cabos (por um verdadeiro milagre) não estão enroscados, no começo do experimento. E vamos fazer o núcleo do brinquedo girar… O que aconteceu na sua imaginação? Agora parece um sistema solar? Claro que não! Os cabos vão enrolar no centro e uns nos outros, as cadeiras vão se chocar e ganhar movimentos caóticos. O aumento ou diminuição da velocidade do giro transformaria o carrossel num verdadeiro espaguete requentado no dia seguinte (isso foi uma analogia).

Logo, sem a força da gravidade, que não pode jamais ser representada pelos cabos, porque ela já existe e age no sistema, o carrossel não giraria da forma que conhecemos.

E qual é o papel dos cabos? Eles transmitem a força do movimento do centro do brinquedo (Sol) para os bancos (planetas)… Ops! Então, quer dizer que os cabos não fazem o papel da força gravitacional, e sim daquela que movimenta os planetas e os mantêm afastados! Exatamente o contrário do que os analogistas pretendiam dizer com o exemplo infeliz do carrossel.

E será que é só isso? Só essas forças agem no sistema solar? A gravidade puxando os astros e a força centrífuga mantendo-os afastados? Não tem mais nada?

Por que os astrofísicos e astrônomos nunca citam o vento solar como uma das forças que age no movimento dos planetas? O vento solar é composto por partículas energeticamente carregadas que são expelidas pela coroa solar em todas as direções. Essas partículas têm uma densidade aproximada de 10/cm3 e viajam entre 400 e 800 km/s. Elas produzem muitos fenômenos atmosféricos. Será mesmo que não contribuem para o afastamento dos planetas? Ou será que contribuem, mas os físicos preferem fazer de conta que não, como naqueles exercícios do colégio em que vinha escrito “ignore a resistência do ar”?… Existem pessoas que querem usar a força do vento solar para viajar pelo espaço, com uso de velas que seriam impulsionadas pelas partículas, como um veleiro empurrado pelo vento… Imaginem o que esse vento solar pode fazer ao atingir a magnetosfera de milhares de quilômetros quadrados de um planeta.

E os campos magnéticos dos corpos celestes? Será que não influenciam? Será que o campo magnético do Sol não afeta o da Terra, atraindo-a ou repelindo-a? Não, é muito fraco e está muito longe, vão dizer alguns. E talvez continuem dizendo mesmo depois que algum experimento bem elaborado prove o contrário.

Voltando para o exemplo do carrossel, e vendo como ele é não apenas minimalista, mas incorreto, percebemos que os físicos teóricos ainda vão precisar bater muito a cabeça antes de conseguir explicar alguma coisa decentemente para a população. Talvez porque eles mesmos estejam perdidos em teorias que são praticamente inexplicáveis quando se tenta explicá-las de verdade.